Posted: 03 Mar 2014 09:25 AM PST
“Cria em mim um coração
puro, ó Deus, e renova dentro de mim um espírito estável. Não me
expulses da tua presença, nem tires de mim o teu Santo Espírito.
Devolve-me a alegria da tua salvação e sustenta-me com um espírito
pronto a obedecer”.
Salmos 51:10-12 (NVI)
Salmos 51:10-12 (NVI)
O título deste artigo pode ter causado estranheza, pois será discorrido sobre dois dos maiores tabus do mundo evangelical: a ausência de Deus – tema pouco difundido nos rincões gospel
por gerar um sentimento de orfandade divina; e, o suicídio de pastores –
tema absolutamente silenciado nos porões eclesiásticos por desnudar a
humanidade que sustenta a invicta espiritualidade. Descrever sobre os
dois temas separadamente já seria um desafio de proporções gigantescas,
então faremos mais, associaremos ambos os assuntos como causa e efeito. É
válido ponderar que as alienas que se seguirão não são as únicas
abordagens possíveis, nem temos a intenções de simplificar a complexa
junção de ausência de Deus e pastores suicidas. Contudo, é preciso
romper o discurso programado de frases de efeito que povoa a
previsibilidade de senso comum existente nas igrejas tupiniquins. É
necessário ver mais que o perceptível; é imprescindível que se escute
além das locuções; é fundamental que haja sensibilidade acima das
oscilações emotivas; é indispensável que sejamos sinceros, mesmo que
isto custe desnudar a fragilidade da nossa fé.
Nossa
jornada se inicia a partir da ideia de “ausência de Deus”. No contexto
bíblico percebem-se algumas situações em que esperávamos que Deus agisse
de forma diferente por causa de quem Ele é, mas não O fez. Por exemplo:
Onde Deus estava quando a serpente corrompeu Adão e Eva no Éden? Deus
podia ter intervindo ali, mas não fez. Onde Deus estava quando Caim
assassinou Abel? Deus podia ter impedido tal atrocidade, mas se omitiu.
Onde Deus estava quando Estevão fora apedrejado injustamente? Deus podia
ter evitado que o Reino perdesse um de Seus mais promissores
pregadores, mas novamente Ele preferiu nada fazer. Além disto, a
questões de ausências que nos emudecem, como: Por que Deus dá aos homens
chance de arrependimento, mas para o diabo não há possibilidade de
perdão? Por que Deus prometeu a Abraão um filho e demorou tanto ao ponto
de isto ter provocado um desconforto/conflito histórico? Por que Deus
não deixou Moises entrar na terra prometida depois de tudo que ele teve
que suportar no deserto? Por que os profetas sofreram tanto para
anunciar uma mensagem contrariamente de esperança? Por que a igreja
primitiva sofreu tanta perseguição e Deus se silenciou? ...Por quê?
No
contexto contemporâneo as indagações não perdem força, pelo contrário,
agregam valores contextuais inquietadores, tipo: por que há tantas
igrejas comprometidas com o Reino que não crescem? Por que há cristãos
que estão a chorar por ocasião de tantas mazelas não provocadas por
estes? Por que os ímpios prosperam? Por que, às vezes, dá a impressão
que os descrentes são mais felizes que os igrejeiros?
Por que o discurso de santidade não funciona? Por que nos sentimos tão
vazios mesmo buscando sinceramente a Deus? ...enfim: Onde Deus está? Não
são poucas as ocasiões em que temos a absoluta certeza de estarmos
longe de Deus não por causa do pecado, mas sim porque a ausência dEle é
perceptível e sufocante. E esta ausência é tão profunda que indagamos,
frustradamente, a real existência dEle. Onde Ele está? Por que Ele
prefere o silêncio? Então, depois de esgotarmos todas as engenhosas
respostas criadas pelos teóricos (não teólogos) com fins a responder as
interrogações, as dúvidas permanecem... pois, para cada resposta
apresentada mais indigesto se torna a jornada, ficando engordurada com frases de efeito, jargões ou reproduções autoritativas invictas.
Neste tempestuoso cenário de perguntas sem respostas surge o oráculo evangelical, um ser diferente dos demais seres-gospeis.
Um homem (ou mulher) que se reveste da figura de “hermes” e faz
aproximação entre Deus e mortais. Estes são chamados e aclamados pelo
título (não função): pastores. A ironia foi proposital para ingressarmos
no trágico segundo tópico proposto neste artigo, ou seja, pastores
suicidas. De fato há poucos relatos de pastores que se suicidaram: Pr.
Cosmo Rocha dos Santos (33 anos) em Alagoas, Brasil, em Abril de 2011 –
“O corpo foi encontrado de joelhos sobre a cama nas dependências
da igreja, com um fio de telefone envolta do pescoço”[1].
Pr. Teddy Parker (42 anos) em Geórgia, EUA, em Novembro de 2013 –
Parker disse em um sermão: “Às vezes, eu não sinto que Deus está me
ouvindo (...) Sabe, várias vezes sentimos que quando estamos passando
por muita coisa de uma vez, é tanto que parece que estamos sozinhos. E
adivinha? Deus quer que você se sinta assim. Sei que vocês já foram
salvos há muito tempo. Sei que vocês são santos e super espirituais, mas
há momentos em sua vida, não na de vocês, mas na minha, há momentos em
minha vida em que passo por coisas e eu não consigo sentir que Deus está
ali”[2].
Há
registros do suicídio de três pastores nos EUA no final do ano de 2013, a
partir de então os estudiosos decidiram investigar e chegaram a dados
nada animadores: “70% dos pastores lutam constantemente com a depressão,
e 71% estão
'
esgotados
'
.
Além disso, 72% dos pastores dizem que só estudam a Bíblia quando
precisam preparar sermões, 80% acredita que o ministério pastoral afeta
negativamente as suas famílias, e 70% dizem não ter um amigo próximo
(...) O Instituto Schaeffer também estima que 80% dos estudantes de
seminário (incluindo os recém-formados) irão abandonar o ministério
dentro de cinco anos”[3].
Todos estes relatos e dados refere-se a pastores que interromperam suas
próprias vidas ainda no oficio pastoral. Contudo, é preciso ir além,
pois empiricamente sabemos haver muitos outros pastores que antes de se
suicidarem se desviaram, não entrando nestes horríveis números
estatísticos. O suicídio de ex-pastores é mais tolerável pela
cristandade, alias, assim fica até fácil
explicar o suicido, responsabilizando o diabo e o pecado –
simplificando o desejo da morte. É necessário investigar as causas, não
explicar os fatos. É imprescindível delinear sobre as ausências, não
justificar as presenças.
O
suicídio de pastores (ou de ex-pastores) está intimamente ligado à
ausência de Deus. É fruto de uma reflexão lógica de descrença total na
ação de Deus a partir de suas vidas pastorais. Muitos dos que estão por
ai pastoreando em solos tupiniquins não podem ser sinceros com seus
próprios sentimentos, desilusões e frustrações. Não podem contar quantas
vezes ficaram num banheiro imaginando de que forma poderiam acabar com a
dor profunda de não saber se é verdade o que prega. Não podem dizer por
ai quantas vezes se arriscaram com a esperança de que numa destas
morreria e terminaria então não como suicida, mas como herói. Não podem
declarar nos rincões gospel
que
não sabem explicar o porquê que Deus salvou uma pessoa de um acidente
e, estranhamente, Deus nada fez para livrar o outro gerando dor nos
familiares. Não podem reconhecer que ser pastor não os torna melhores,
superiores ou mais chegados a Deus, pois para muito é só isto os
distintivos de pastores. Não podem verbalizar que, às vezes, se
arrependem de terem sido ordenados a pastores e que tem plena certeza de
não estarem preparados. Não podem... até que dizem para o mundo o que
realmente queriam dizer: morrer.
Não quero finalizar este artigo com teologias de frases de parachoque de caminhão. Não quero tentar defender Deus acerca de
Isto é pura teologia de frase de parachoque de caminhão,
pois exclui toda a humanidade do processo, distancia a vivência do
espiritual e fomenta a figura heroica do pastor. Edir Macedo nunca quis
que o povo vissem os pastores como gente, por isto no conhecidíssimo
discurso gravado em 1995[5],
ele afirma: “O povo tem que ter confiança no pastor. Se você mostrar
aquela maneira xôxa, o povo não vai confiar em você para orar. Você tem
que ser o super-heroi (...) é a fé ou não é? (...) tem aqueles que são
tradicionais... agora tem outros (que dirão): poxa, a quanto tempo eu
queria isto. Poxa, tô cansado de ler a bíblia, de ver tantas palavras e
não acontecer nada na minha vida...”.
Su
as ausências,
pois disto Ele não precisa (e nem eu entendo!). Não quero tentar
explicar de forma espiritualizada os suicídios de pastores, pois a muito
silêncio antes da morte. Alguns poderiam apenas se contentar com
explicações infantilizadas e estupidas como as que foram postadas por
Edir Macedo (suposto pastor), quando afirma sobre os suicídios de
pastores: “Isso aconteceu porque a fé do pastor estava alicerçada nos
seus sentimentos e não na Palavra de Deus. (...) A fé inteligente
despreza a visão, audição, tato, olfato e paladar. Ela é a certeza de
coisas que se não veem ou sentem... A crença verdadeira se fundamenta
naquilo que está prometido, escrito ou falado pela boca de Deus. Nada
mais além disso”[4].
Por fim, temos que reconhecer que a ausência de Deus é mais agressiva
que
a Sua presença julgadora. Igualmente temos que admitir que a morte seja
mais atrativa que viver uma farsa. Portanto, continuaremos ouvido,
sorrateiramente, acerca do suicido de pastores nos próximos anos. Haverá
alguns que com profunda devoção e respeito, apesar de toda descrença em
Deus, vão visivelmente se desviar, entrando pro rol dos ex-pastores
suicidas – estes optaram por uma morte solitária, distante inclusive de
Deus. E, enquanto “pastor” for um título de diferenciação entre nós, ao
invés de um serviço fraternal e temporal, estaremos, então, sendo
co-responsáveis pelos suicídios – aquele que aperta o gatilho não é o
único a cometer suicídio, ele apenas protagoniza.
Fortalecido pela cruz de Cristo,
Vinicius Seabra | vs.seabra@gmail.com
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Artigo escrito em: 26 de Fevereiro de 2014
[1] Confira a reportagem completa no link: http://leopoldinaparacristo.blogspot.com.br/2011/04/pastor-comete-suicidio-um-alerta-para.html
[2] Confira a reportagem completa no link: http://www.christiantoday.com/article/pastor.teddy.parker.commits.suicide.congregation.waits.for.him.after.confessing.sometimes.he.cant.feel.god/34672.htm
[3] Confira reportagem completa no link: http://noticias.gospelprime.com.br/pastores-suicidios-igreja-americana/
[4] Leia o comentário completo no link: http://www.bispomacedo.com.br/2013/12/23/pastor-comete-suicidio/