E O CHORO SEM
VALOR
O choro é para os sinceros -
Durante a minha infância, no morro em que
cresci, minha avó tinha um cachorro chamado Bob que, atestava toda a família,
era um cão adestrado pela PM. O traço mais marcante da suposta vocação policial
de Bob era sua detetivesca capacidade de avaliar o caráter de um estranho. Ao
portão de minha avó chegavam muitos desconhecidos em busca de ajuda ou comida, e
um breve olhar para a atitude de Bob confirmava se a pessoa era honesta. O
abanar da cauda de Bob e seu olhar interessado poderiam atestar a sinceridade da
pessoa. Já o desprezo canino selava o assunto (e a dispensa da vovó).
– Os cães sabem quando alguém está chorando de
verdade – diria minha avó.
Lembrei-me de Bob numa das horas mais estranhas quando, em meio a
um dos famosos congestionamentos de trânsito de São Paulo, procurava um programa
de rádio. Um pregador orava com a voz embargada num choro forçado, e aquilo
chamou a atenção de minha filha mais nova, Laura.
– Por que ele está
orando assim?
– Assim como? – perguntei distraído e mudando de estação.
– Assim... – e Laura imitou o pregador chorão, fazendo-nos rir
até esquecer o engarrafamento.
Percebe? Emocionalismo e lágrimas falsas são percebidos até pelas
crianças e pelos cães. Ambos devem guardar um resíduo daquela pureza de intenção
que havia na criação antes da queda, o que os torna capazes de perceber quando
as lágrimas e emoções não são genuínas.
O emocionalismo não convence nem a nós mesmos nem
aos outros – e muito menos a Deus. “Hipócritas!”, dizia Jesus tantas
vezes para advertir os religiosos de seu tempo a não serem falsos, a não
“desempenharem um papel”, um falso eu, como no teatro.
As verdadeiras expressões do coração ficam
empobrecidas pelo grande esforço de simular emoções piedosas. O coração é
um músculo que deve ser exercitado no compasso das emoções verdadeiras, com
sinceridade e naturalidade. Emoções que não residem no coração o deixam ocioso,
e sua musculatura flácida. Os grandes intercessores e místicos tocavam a Deus e
as multidões com expressões de dor e pranto, por vezes com a utilização de uma
única palavra: “Oh!”.
Ah, como precisamos de pessoas que comovam o céu e a terra, não
por sua força em interpretar sentimentos piedosos, mas por corações fortes e
genuínos, tomados pelo que Wesley chamava de “religião verdadeira, a religião do
coração”.
É melhor ser franco com Deus, mesmo que bravo e
irritado, do que falso. Simone Weil dizia que o ateu sincero e honesto,
mesmo quando expressa seu ódio de Deus, está mais perto de Deus do que o cristão
hipócrita. O ateu, quando está com raiva de Deus, tem uma emoção franca e
sincera que chama Deus para um debate – e Deus ama a verdade no íntimo, ainda
quando parece blasfêmia.
Sabe quando o botão do
elevador já está apertado, aceso em rubro luminoso, e outra pessoa chega e
soberbamente aperta o botão? É um movimento inútil, não fará diferença alguma.
Mesmo assim, concede ao arrogante a impressão de que o elevador chegará por um
gesto próprio e exclusivo dele. Jesus já apertou o botão do elevador que nos
levará à casa do Pai, portanto curta a subida.
Nossas lágrimas não valem nada se estão divorciadas
do sacrifício de Cristo. É só pelo sangue, que rubro e luminoso nos
indica: pode entrar, pode subir. Não há nada que possamos acrescentar. Lágrimas
e clamor são eficazes apenas quando alinhados à obra (tão completa!) de Jesus
por nós. Seja na intercessão, no testemunho, na pregação ou no respirar, só
podemos fazer porque estamos inclusos nele e porque o deixamos fazer através de
nós.
Somos treinados para sermos competentes, darmos
conta do recado, realizar o que nos compete. Quando não nos resta
confiança em nossa capacidade de executar uma tarefa, só nos resta o choro. O
choro comprova que o caráter inclusivo da obra de Cristo não é apenas um fato
bíblico, mas um relacionamento desesperadamente desejado e celebrado.
É simples assim: o choro funciona porque Deus é Pai, e choramos
porque somos filhos, crianças totalmente incompetentes sem outro recurso além de
chorar. O choro é prova de incompetência para o orgulhoso, mas esperança de colo
e atenção para a criança que se sabe amada. Nossas lágrimas têm sentido e
esperança porque são dirigidas a um pai amoroso e
onipotente.
Pela Causa de
Cristo
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